quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Navio naufragado.

 



Eu me sinto um navio naufragado.






Liberdade.




Que maravilha estar presa. Nunca me senti tão bem. Tão bom estar presa neste país, nesta cidade, nessas regras. Que ruim é estar em outros países, lugares e cidades. Que delícia de civilização, esses portugueses e italianos são realmente uma bênção em nossas terras. Nos fizeram reféns aqueles que eu não sou. Mas hoje, eu me sinto como eles. Me sinto excluída, uma genuína brasileira. As mulheres são escravas não remuneradas. Que maravilha é ser emancipada. Emancipada de tudo até daquilo que se gostaria de viver. Tão bom estar sozinha, não viver aquilo que se sonhou a vida inteira... Esse país das doenças, das mortes, desigualdades, corrupção, racismo, lgbtifobia, destruição. Que delícia é este mundo ocidental, uma das oitavas maravilhas do mundo! Adoro o amor mendigado, as pequenas esmolas que nos dão por nos dedicarmos cada sangue, suor, lágrimas, saúde, físico e tempo. Me rastejo em gratidão, esfolo meus joelhos, lesiono os meus pulsos, e quando não se comporta, é açoitada. Vale muletada, soco, chute, empurrão, vale suas coisas quebradas, vale humilhação vale tudo. Açoite! Que delícia de religião, nunca vi uma religião que discriminasse e excluisse tanto, me sinto totalmente maravilhada. Encontrei o meu lugar! Este não-lugar é tão bom de viver que ele forma uma película, uma bolha intocável. Você vive a margem mesmo estando no centro de tudo. Nunca me senti tão protegida! Minhas paredes eu as venero todos os dias. Minhas companhias de objetos e animais. Leais companheiros. Soube de alguns que estavam tão felizes, que decidiram abraçar a glória do pai. Abreviaram-lhes a vida pois a felicidade era tamanha depois de viver isso tudo que já sentiam realizados. E aqueles que adoecem, o médico deu a pessoa que eu amava - mas que graças a Deus me odiava - 1 ano de vida. Chorei. Que bênção deve ser ver a luz divina depois de tamanha égide da glória terrena. Minhas lágrimas devem ter sido pura piada em sua frente. Nunca imaginei que ia passar meu tempo matando baratas. Atualmente é a minha maior diversão. Não posso reclamar de nada disso, há pessoas em situação muito melhor do que a minha. Com suas casas destruídas, parentes mortos e suas vidas ceifadas e destruídas ainda vivas. Tudo isso é absolutamente maravilhoso e normal. O normal é o novo preto, mas eu sempre gostei de rosa por isso sou louca com muito orgulho. E o roxo é meu lema de vida. Grito vocifero de alegria para aqueles que provam a inexistência do amor, canto Ave Maria em Sol maior em pé na janela, tamanha bela indignação, pelo vazio de almas que carregam como lema de vida esvaziar a alma e esperança das outras, o meu grande amor que me tirou, minha esperança e alegria, o meu futuro e objetivo, tudo que eu tinha de mais valioso. Obrigada Senhor em nome de toda esta normalidade, eu lhe agradeço profundamente por ser a causa de todos os males, a culpada de tudo, a caixa de pandora, a amaldiçoada. Queimada na fogueira dos inquisidores, sou rechaçada descredibilizada. A mulher bonita é extremamente perigosa. Esta deve ser tirada do convívio em sociedade, deve ser excluída. O pecado mortal, aquela que subverte os sentidos, que canta o canto da sereia, o demônio encarnado. Esta não merece estar entre nós. A ela apenas lhe resta a exclusão, e a solidão absoluta. Obrigada por isso! Tire-me do seu caminho e me coloque ardendo nos caminhos de Deus. Obrigada por isso, obrigada Brasil, Rio de Janeiro, e outros países do mundo... Tenho imensa gratidão por viver nessas abençoadas terras, neste planeta tão repleto de mentes ululantes famintas pela morte, vazio, sadismo e insanidades. Que privilégio! Só não esqueçam que a cabeça de João Batista será nossa no final. Afinal, todos nós nos saciaremos neste grande banquete da terra abençoada.

Oração da Morte.


Eu não posso falar com ninguém... Eu não posso falar com ninguém... Eu não posso falar com ninguém... Eu não posso falar com ninguém.

O mundo das aparências é muito mais importante. Ele que rege. Ele que comanda. Tenho que aparentar força. Tenho que aparentar felicidade. Tenho que aparentar. Tenho que morrer em nome da aparência.

Que sejamos escravos da aparência. Ó aparência eu te sirvo. Você é a Rainha suprema, a Salvadora do céu e da Terra. Eu te venero. Eu sou sua súdita e ai de eu sair da linha da aparência. Eu jamais posso cruzar esta linha e jamais pecarei, pois serei julgada por todos os seus servos ó aparência magnânima soberana onipotente. Eu te respeitarei até a morte pois ao pó eu quero ir por você, até o seu encontro, pois você é a minha salvação. Por você quero morrer, por você quero ir para os céus. Por você eu me torno tudo amalgamos no tudo do nada, na vastidão desenfreada de um penhasco sem fim. Ó aparência me leve por favor destas amarras terrenas, eu preciso servir-te, eu preciso ir de encontro a ti. Me livrai-me do meu de querer ser. Me livrai-me de toda a minha humanidade, de toda essa carne que me faz deveras humana e me faz distanciar da aparência. Por favor controle minhas pulsões pecadoras. Me desamarre das correntes da liberdade. Por favor me fazei desencarnar deste corpo humano para ir de encontro à sua paz inexistente. Me faça tornar superior e me faça não sentir mais. Me faça superior junto aos teus que te servem para um dia ser o exemplo a ser seguido. Me faz sua enviada, sua messias aqui na Terra. Abençoe a minha morte e me ajude a matar a todos que querem viver. Aparência, ó colossal criadora dos céus e da terra oniciente e onipresente. Livrai-nos de nossos sentimentos e fazei-nos calculistas. Fazei-nos tristes e pequenos. Matai a permanência e permaneça o descartável. Por favor magestade aparência, fazei-nos controlar e amarrar nossos grilhões. Fazei-nos calcular nossas friezas. Fazei-nos venerar a inovação e transformai-nos em objetos. Fazei-nos trocáveis, fazei-nos iguais. Fazei-nos peças irrelevantes deste imenso quebra cabeça da vastidão inóspita substituível. Fazei-nos nada para não pertencer, e nos livrar de qualquer amarra. Eu gestei você desde os mais longínquos tempos. Agora é a hora do nascimento do seu enviado, daqueles que semearam em abundância em mim. A todos aqueles que contribuiram para minha ascenção. Fazei-nos levitar e passar para um plano elevado, onde seremos tão leves, tão vazios que flutuaremos transparentes. Acabai com as diferenças e nos tornai um só. Queremos ser você. Queremos estar junto a ti. A ti serviremos até a morte.

(Escrito em 30 de Abril de 2022)


quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Fim dos tempos

 



Sinto que o mundo acabou.


Chego mais perto para tentar enxergar. Me debruço no muro para ver se restou alguma coisa.


Olho no espelho para ver a vida que jaz nesse final, tentando achar alguma vida ainda em meio a morte arredor. Para minha decepção, vejo um cadáver. Percebo que já nasci morta. Eu nasci não sendo o que eu sou. Como pode alguém já nascer não sendo? Porém, ainda assim ao olhar no espelho, sinto esperança. Olho o cadáver, e controversamente, vejo vida. Olhar no espelho me dá aquele último fio de esperança, e me faz sentir que ainda há alguma vida mesmo diante de tanta devastação.


4 companheiros me acompanham nesta caminhada. Os adotei sabendo que podem ser minhas últimas companhias frente ao que está por vir. Me preocupo com o futuro, se terei como dá-los de comer. Ainda assim, tenho uma floresta aqui perto, onde posso pegar umas bananas, e uns insetos para eles se alimentarem (isso se as bananeiras aguentarem o aquecimento. Mas creio que sim - acho que de todas as espécies vegetais, elas serão as que mais vão se adaptar à nova temperatura do planeta).


Ultimamente algo mudou. Tudo está desbotado. Paira no ar uma névoa acinzentada, uma atmosfera que agora está constantemente turbulenta, muito variável, mutável e quase sempre fechada. É o novo clima. O excesso de evaporação está tornando os dias menos iluminados.


Mesmo sabendo que posso ser lida por bilhões de pessoas, sei que dessas, apenas uma dezena (quiçá isso) irão compreender minhas palavras, a urgência e o alerta do futuro. Há uma gigantesca solidão em meio à estas bilhões de pessoas, e as cidades marcham cegamente da mesma forma em meio ao caos. Há uma solidão abissal em meio a elas. Foi inaugurado um novo conceito de solidão: nesses tempos, estar diante de bilhões de pessoas é muito mais solitário do que se estivesse diante de uma única pessoa consciente.


Caminho dentro de mim mesma, tentando me resgatar. Busco a mim mesma dentro de mim, aquela que perdi desde que vim ao mundo. Puxa com a mão pela minha cabeça a minha alma. Eu estou ali, mas é tão difícil de acessar. Tento me libertar das correntes e dos grilhões que me acorrentaram, mas é muito difícil se desvencilhar. Aos poucos estou danificando, e rompendo alguns elos. Sinto que estou a cada dia mais perto de mim mesma, porém será que haverá alguém para testemunhar o dia que eu me encontrar? Ou melhor: o dia em que eu puder ser quem eu sou em plenitude? Ser livre. Pude ser eu mesma por alguns breves momentos. Momentos de profunda alegria. Mas esta alegria me foi retirada. O que resta para alguém como eu? Olho ao redor, e vejo outras pessoas que como eu também tiveram suas alegrias ceifadas. Será uma lei deste universo? Será que neste plano, não temos o direito de sermos felizes, sermos quem somos em plenitude e ter a vida que gostaríamos de ter, e ser? Ou será que esta conquista é só para alguns?


De que importa a resposta. O mundo está doente, e estamos indo para o mesmo buraco. Enquanto alguns podem viver em plenitude, e encontrar a felicidade, outros padecem em meio as injustiças. Aqueles que nos empurram para a situação em que nos encontramos, acabam prejudicando a todos. Um organismo vivo como o nosso planeta, não pode estar bem, se todos não estão. O planeta está padecendo da mesma forma que fazem conosco. Não há como se ter um planeta sadio, e que funcione em plenitude, sem que a nossa felicidade seja também garantida. No final, todos sofreremos as consequências desse mal, e ninguém escapará a salvo. Aqueles que jazem felizes neste momento, jazerão tristes, pois muita gente não fez o seu papel. Aqueles que se auto impedem de serem felizes, e se privam daquilo que amam, não podem jamais encontrar a felicidade, pois eles destroem a si mesmos. No final, todo mundo será impactado por isso.


Sentada numa estrada de terra em meio a um parque deserto, vejo uma enxurrada de água descendo o caminho de terra vindo em minha direção. Ela irá me atingir e vou ser levada pela água. Não consigo levantar. Tento levantar, e parece que estou grudada no chão. Faço todo o esforço do mundo, e não consigo levantar de jeito nenhum. Serei atingida pela água e levada pela correnteza. Não há o que fazer. Me resigno do meu destino.


Após um intenso réveillon, em meio a uma multidão esmagada de pessoas - dicotomicamente de muitas comemorações - saio de lá frente a uma cidade devastada. Ando no deserto urbano, passando por estradas, grandes vias e viadutos, sem encontrar ninguém. Vai escurecendo, e finalmente encontro o seu apartamento em frente a uma via férrea. Entro em seu apartamento e finalmente o encontro. Nem acreditei que finalmente eu consegui esse encontro. Logo depois, não consigo mais falar. Entro em cômodos tentando falar com ele, e eu não consigo. Não o encontro. E quando o encontro, sempre há uma impossibilidade.


Outro dia, vou à casa de uma outra pessoa. Logo ao chegar, entro e vejo que a casa dele havia se transformado em um centro espiritual. Haviam muitas pessoas sendo atendidas, e fazendo cânticos, tratamentos e rituais. Num outro dia vou e o encontro, tento falar com ele, mas não consigo. Sou avisada de que não posso ficar em uma parte da casa, os outros cômodos estão proibidos de eu acessar. Percebo que ele vai para dentro de um cômodo, e existe uma mulher lá dentro como se o prendesse ali. Olho para este cômodo de longe, e mesmo sendo do lado, sinto uma imensa distância. Percebo depois que há uma mulher lá dentro que fica de longe me fitando sem fazer contato visual. Eles ficam lá dentro distantes, e como uma dementadora, esta mulher suga ele por completo. Depois quando finalmente consegui falar com ele, disse que aquela mulher era um espírito maligno, extremamente negativo, que estava possuindo ele, levando ele para o abismo, e que ele tinha que se afastar dela o mais rápido possível. Sinto que ele me ouve, no fundo ele sabe disso, mas por estar muito contaminado, faz pouco caso e volta para o quarto, e a mulher continua a obsessão.


Vou embora com muita tristeza e preocupação, e sinto como se ele estivesse se enterrando. 


O meu sonho me foi retirado. 


Ele destruiu o meu sonho.






sábado, 15 de janeiro de 2022

A morte da vida


A morte em vida é certa. Não se sabe se a pior morte é a própria, a dos outros, ou a de todos. A morte é tão presente como o ar que se respira. Não sei como curá-la. Acho que é uma espécie de "super-morte". Não tem cura. A cura não existe. O abandono é certo, a loucura já deverás sabida. Espero aquilo que eu já vi acontecer. Nada surpreende. As coisas apenas tornam a acontecer. De novo, de novo, de novo. As pessoas "são as mesmas", os comportamentos são os mesmos. No meio dessa loucura a gente tenta não enlouquecer, mas acho que é no mínimo muito tendencioso achar que não se já está louco. As vezes, já estamos loucos e não percebemos. Ou não... acho que não sou. Pois eu sou diferente deles. Sim, eu sei o que é o certo. E eu consigo enxergá-los. Eu não sei como fazer enxergarem aquilo que eu enxergo. Eu não sei... eles são cegos. Ele não é capaz de enxergar. Seria pedir muito aparecer na minha frente uma pessoa que finalmente enxergue? Por que este destino fatal meu "Deus". Por que insiste em aparecer uma pessoa que finge enxergar, que de repente vê tudo que eu vejo a minha volta, e logo depois ela se transforma como se fosse um feitiço diabólico, e como um filme de terror se transforma por completo na concretude do mau e do sádico. Carregaria eu um vírus? Será que carrego em mim uma cepa mortal de uma mais nova Pandemia? O Planeta Terra agora é o planeta das pandemias. Estamos regredindo. A desvolução está em curso. Por que eu nasci nessa bolinha? Teria eu um dia a chance de fazer valer esta experiência macabra ajudando o próximo? Não vejo outro propósito. Me alimento das pessoas que me fazem sentir necessária. Não sei se com esta importância e com todo o meu imenso esforço, vou transformar essas pessoas. Vou passar algo, e elas vão dever à mim aquilo que conquistaram. Eu não sei. Eu só sei que deveria existir um lugar no mundo sem Pandemias. Sem vírus mortais. Sem morte, e sem pulsão em matar as pessoas. Algumas pessoas nasceram para sofrer, e outras para fazerem as outras pessoas sofrerem. Seria esse o objetivo desta encarnação. "Sobre"viver à tudo isso? É "sobre" isso? Eu nunca consegui trans-formar ninguém. Mas talvez as sementes dessa transformação são de árvores que só sairão dessa hibernação décadas depois. Seriam sementes hibernantes. Não chegarei a ver as sementes germinarem, ou elas irão abortar antes de germinar. Isso me entristece. Desacredito. Caminho pelo reboco acizentado plantando belezas e me destruindo por dentro. Planto flores e por dentro tudo vai se tornando uma vastidão arrasada. Quanto mais belo e farto fica o lado de fora, mais inóspito fica o lado de dentro. Semeio-me na esperança de nascer naquilo que construo ali fora. De finalmente me tornar e me transformar num novo formato, neste futuro que sonho e almejo. Me uno à esta vasta vida como tentativa de me tornar ela. De ir para o outro lado e deixar este invólucro vazio. Gostaria de me tornar pó para adquirir um signifcado, e finalmente, razão a minha existência. Que das cinzas se façam o meu futuro, a minha luz, a minha significação, a minha beleza, o meu propósito, o meu desabrochar, e a minha vida. Que a morte seja deixada, para um novo recomeço debaixo da "Terra".


 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Mulher do fim do mundo.

 



Olho ao redor. Não vejo nada.


O silêncio dá lugar à novos barulhos, antes não ouvidos por conta do som da vida. Aquela orquestra parou de tocar.  Sons novos surgem. A sonoplastia é outra. Seria uma nova sociedade? A atmosfera torna-se fria, poluída e macabra. Revejo um filme que já passou. Mas nesta hora é diferente. É definitivo.


Chega-se ao fim da linha.


O que fazer agora? Erguer uma nova sociedade? A partir de que? E quem? Tudo que se sabia existente, se sabe agora que não funcionava.


O roxo dá lugar às gigantescas marcas deixadas por dentro. Dói em todos os lugares. Qual dor é pior? A do corpo, ou a da alma? Difícil escolha se houvesse escolha. A alma deteriorada inaugura uma vastidão desertificada. São igualmente corrosivas, destrutivas. A minha pele se sufoca, e como se tentando falar o roxo se intensifica. Mãos fecham a minha boca e tornam a minha boca roxa com as marcas dos seus dedos. Como falar sobre o que não pode ser falado? Como conviver com a dor de não poder falar, com a dor de não poder ser ouvida? De não ter uma palavra amiga, de não ter alguém que possa lhe confortar nesta dor. Como falar aquilo que é inexplicável? Quando se nem mesmo entendo o porquê passou por aquilo que agora expresso em minhas mãos? Começo a inchar talvez como estratégia de também ser vista. Mas se vista, para que? Não faz sentido. Não restou nada. Ou restou? O que resta?


Vomito para dentro o grito sufocado. Implodo este ácido que me corrói e me mata aos poucos. O sentido desaparece, e eu perco as esperanças. Quando se é reincidente, o que lhe faria acreditar que não aconteceria de novo? Será que há coisas que devemos aceitar serem como são?



O que está acontecendo com o nosso Planeta? A extinção ocorre, mas ela ocorre em mim também. Como sobreviver a isso? Será que encontrarei semelhantes? Será que com eles poderei falar? Ou eles ficarão mudos da mesmo forma que fomos devastados? O vazio pode mesmo apagar tantas vozes silenciadas? Elas teriam também entendido o porquê passaram pelo que passaram? Toda aquela ebulição e pulsão de vida que buscava-se de beleza, diversidade, pluralidade de pensamentos, criações e infinitas idéias, toda aquela riqueza de matizes, cores, lutas, sonhos, coisas, causas, pessoas. Tudo aquilo teria mesmo desaparecido? Teria aquilo tudo mesmo sido em vão? Cadê aquela vida toda, toda aquela pluralidade, movimento, barulho, pulsão?



Olho para o lado e vejo os meus próprios escombros. Ando por meio de meus escombros tentando buscar ali uma identidade de vida, dos sonhos perdidos, propostas de realizações, tentando resgatar o pouco que sobrou da existência daquilo que já se foi. Vejo toda a minha vida ali, derrubada. Bagunçada, em cacos. Passeio e venero meus escombros como um troféu. Teria coisa mais valiosa do que aquilo que acumulamos dentro de nós? No meio de todos aqueles pedaços, fico feliz por contemplá-los e tê-los comigo. As coisas ruins simplesmente nos fazem felizes por estarem com a gente. Teria algo mais fiel a nós do que nossos próprios escombros? Eles nunca irão sair dali. Corte-os em mil pedaços, e eles continuarão existindo, basta você guardar suas partes, o seu pó, sua matéria e átomos. Venero e glorifico os meus escombros como afrescos sagrados, valorosas conquistas. Eles abençoam a minha vida, e guardam os restos do propósito daquilo que se gostaria de existir. Eles contam a história daquelas terras longínquas, distantes, porém tão perto no tempo. A história da destruição. A história da vida que iria existir, e gostaria de alcançar. Namoro meus entulhos como os escombros da minha alma, devoro os escombros deixados pelos outros. Que boas lembranças... Os escombros de minha pele. Ando por eles cuidadosamente para não me machucar. Não se existe mais tempo. Ando devagar, tentando aproveitar toda esta seiva do escombro, que como simbiose, me retroalimenta. O tempo derrete e se arrasta os segundos como facas de libertação. O tempo não existe mais. O tempo se torna o tempo até acontecer outra coisa. Não deu tempo...



O que nos espera do outro lado? Nesse raiar do sol que se faz do dia seguinte? Aquilo que sabemos, estará sempre ali? Será mesmo que para toda melhora e revolução, teremos que passar por tamanha destruição? Qual o milagre que fará a eles mudarem o rumo da história? Quando perceberão que cabe a eles impedir que as coisas se pintem de roxo. Que a nossa alma exploda, e se transforme em cacos? Quanta dor ainda teremos de aguentar? 
Gritamos a nossa dor. E não vamos nos calar. Nossas vozes juntas permitem que sejamos ouvidas, e nos dão o único propósito e capacidade de saber que não estamos sozinhas e estamos apontando para o lado certo.


O que nos espera neste novo raiar de sol?.......